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domingo, 30 de março de 2014

Intérpretes do Brasil


Clássicos, rebeldes e renegados
 
Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco (organizadores)
 
"Clássicos, rebeldes e renegados" é o subtítulo de Intérpretes do Brasil, livro que os professores de História da USP Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco organizaram para traçar um amplo panorama do pensamento crítico político-social brasileiro dos séculos XX e XXI. São ao todo 27 estudos e ensaios escritos por reconhecidos especialistas acadêmicos que se debruçaram sobre a vida e a obra de alguns dos principais intérpretes da história e da cultura no Brasil. "Acreditamos que este livro é um aporte importante sobre vários intelectuais emblemáticos e suas teorias. Para isso, pudemos contar com a generosa colaboração de diversos estudiosos que se dispuseram a escrever sobre esses pensadores do Brasil", enfatizam os organizadores.

Para o historiador Herbert S. Klein, professor emérito das universidades de Columbia e Stanford, o volume a ser publicado pela Boitempo constitui um manual básico para os estudos de história intelectual e da história moderna do Brasil. "A coleção de ensaios Intérpretes do Brasil representa um guia fundamental para o entendimento dos mais influentes pensadores brasileiros do século XX", afirma.
Os autores escolhidos compõem um amplo e rico panorama dos pensamentos social e historiográfico nacional da década de 1920 até o começo dos anos 1990, alguns dos quais muito pouco discutidos em outras obras do gênero. A seleção traz alguns pensadores já clássicos, mas em abordagens inovadoras, como Antonio Candido, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda, entre outros representantes da intelligentsia nacional.

O mérito maior da obra, no entanto, é que os organizadores também trazem para o centro do debate figuras que estavam de certo modo à sombra, a despeito de seu importante papel histórico. Entre os renegados, normalmente esquecidos como pensadores do Brasil, ora por não se enquadrarem nos cânones, ora por serem contrários à abordagem majoritária, estão homens pioneiros como Octávio Brandão, Heitor Ferreira Lima, Astrojildo Pereira, Leôncio Basbaum, Rui Facó, Luís da Câmara Cascudo e Everardo Dias.
Também são contemplados autores mais “novos” e menos compendiados, como os heterodoxos e brilhantes Maurício Tragtenberg, Jacob Gorender, Ruy Mauro Marini, Milton Santos, o laborioso Edgard Carone e ainda personalidades da importância histórica de Paulo Freire e Ignácio Rangel.
Como lembra o historiador Carlos Guilherme Mota, na orelha do livro, cada geração analisa e “redescobre” o Brasil, interpretando o processo de nossa formação dentro das condições e debates de sua época, porém poucos vão além, como fizeram os organizadores Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco. “Verifica-se nesta obra uma significativa abertura de foco dos estudos sobre o pensamento brasileiro, não apenas em termos geracionais como também na variedade de visões teóricas e abordagens pronunciadamente ideológicas”, afirma Mota. “Este livro, portanto, vem ampliar de modo crítico e significativo os horizontes e o debate histórico-historiográfico nesta quadra difícil de nossa história, tão marcada por ambiguidades, desacertos e, já agora, também por profundas revisões para uma retomada rumo a um futuro melhor.”

 


Sumário



Octávio Brandão
João Quartim de Moraes

Heitor Ferreira Lima
Marcos Del Roio

Astrojildo Pereira
Antonio Carlos Mazzeo

Leôncio Basbaum
Angélica Lovatto

Nelson Werneck Sodré
Paulo Ribeiro da Cunha

Ignácio Rangel
Ricardo Bielschowsky

Rui Facó
Milton Pinheiro

Everardo Dias
Marcelo Ridenti

Sérgio Buarque de Holanda
Thiago Lima Nicodemo

Gilberto Freyre
Mario Helio Gomes de Lima

Câmara Cascudo
Marcos Silva

José Honório Rodrigues
Paulo Alves Junior

Caio Prado Júnior
Luiz Bernardo Pericás • Maria Célia Wider
Edgard Carone
Marisa Midori Deaecto • Lincoln Secco

Florestan Fernandes
Haroldo Ceravolo Sereza

Ruy Mauro Marini
Guillermo Almeyra

Jacob Gorender
Mário Maestri

Antonio Candido
Flávio Aguiar

Celso Furtado
Carlos Mallorquín

Rômulo Almeida
Alexandre de Freitas Barbosa

Darcy Ribeiro
Agnaldo dos Santos • Isa Grinspum Ferraz

Mário Pedrosa
Everaldo de Oliveira Andrade

Maurício Tragtenberg
Paulo Douglas Barsotti

Paulo Freire
Ângela Antunes

Milton Santos
Fabio Betioli Contel
Sobre os organizadores

Luiz Bernardo Pericás é formado em história pela Universidade George Washington, doutor em história econômica pela USP e pós-doutor em ciência política pela Flacso (México). Professor de história contemporânea da USP, foi visiting scholar na Universidade do Texas. É autor, entre outros, de Cansaço, a longa estação (Boitempo, 2012), Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica (Boitempo, 2010) e Che Guevara y el debate económico en Cuba (Buenos Aires, Corregidor, 2011).
Lincoln Secco é professor livre-docente de história contemporânea na USP. É autor de A revolução dos cravos (Alameda, 2004), História do PT (Ateliê, 2011) e Caio Prado Júnior, o sentido da revolução (Boitempo, 2008), entre outros.
 
Ficha técnica
Título: Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados
Organizadores: Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco
Autores: Vários
Orelha: Carlos Guilherme Mota
Páginas: 416

sábado, 29 de março de 2014

Ditadura: o que resta da transição

Cinquenta anos depois do golpe que instaurou a ditadura militar no Brasil – e em meio aos 25 anos de transição democrática em nosso país –, a Boitempo publica Ditadura: o que resta da transição. Organizada pelo cientista político Milton Pinheiro, a coletânea enfrenta o desafio de reinterpretar uma história em que vários aspectos estão ainda por decifrar, desde o contexto por trás do golpe até a campanha pelas Diretas Já.

Com ensaios inéditos de pensadores como João Quartim de Moraes, Anita Prestes, Lincoln Secco, Décio Saes, Marco Aurélio Santana, entre outros, o livro traça um rico panorama das continuidades e rupturas na história contemporânea brasileira, abrangendo temas como as mutações da ideologia, o lugar dos intelectuais, dos sindicatos, a mobilização comunista, as políticas econômicas e a presença dos partidos políticos.
Obra de inflexível veio crítico, é sobretudo a postura ousada que distingue Ditadura: o que resta da transição da bibliografia existente sobre o assunto: os autores enfatizam, sob perspectivas diversas, a centralidade do caráter de classe da ditadura militar para compreender suas origens, bem como seu legado. Marcos Del Roio, no prefácio, é categórico: tratava-se de uma “ditadura de classe, que buscava impedir a eventual realização de uma revolução democrática pelas forças populares”.
A forma pela qual se pensou a gestão da política econômica durante o regime militar é destrinchada pelo cientista político Adriano Codato, ao investigar a questão da estrutura administrativa do Estado e o problema do arranjo ideal para organizar o processo de tomada de decisões. Aprofundando a análise das bases econômicas na ditadura e na transição, o economista Nilson Araújo de Souza divide o período em cinco momentos, que atentam para o complexo de políticas econômicas desenvolvidas e suas relações.
Já a historiadora Anita Prestes analisa o papel desenvolvido por seu pai, Luiz Carlos Prestes, histórico dirigente comunista, após o processo de anistia, para contribuir com a luta pelas liberdades democráticas e por uma transição progressista. É também à resistência que se volta Leonilde Servolo de Medeiros em sua reflexão sobre a luta pela terra durante a ditadura militar, que procura dar conta das diversas formas de disputa que ocorreram: das ligas camponesas à reforma agrária, passando pelos processos de assentamento imposto pelo governo militar. Com um olhar mais voltado para os impactos do período ditatorial na politização trabalhista, o sociólogo Marco Aurélio Santana desvenda a gênese de um novo sindicalismo a partir das contradições da presença política dos trabalhadores numa conjuntura de arrocho salarial e repressão, quando os sindicatos agiam em duas vertentes: afirmando e contradizendo o velho sindicalismo.
O filósofo marxista João Quartim de Moraes fornece uma aprofundada análise da natureza de classe do Estado brasileiro. Versando sobre ideologia, militarização do poder e a dinâmica do capital, Quartim desvenda a especificidade desse instrumento político durante a ditadura. Cabe a Décio Saes uma reflexão a respeito das frações da classe dominante no capitalismo, que analisa de forma original, testando o arcabouço teórico de Nicos Poulantzas contra a configuração de classes durante a ditadura brasileira.
O historiador Lincoln Secco traça um precioso panorama analítico dos partidos políticos de 1978 até hoje, refletindo sobre o legado da ditadura. Para analisar a política dos comunistas brasileiros durante o período, Milton Pinheiro parte da ação teórico-prática do PCB e o desencontro de suas formulações para reinterpretar o fechamento do ciclo da revolução burguesa no Brasil. Já David Maciel lança um olhar crítico sobre a articulação da Aliança Democrática na superação da ditadura militar e o papel desempenhado por esse bloco de forças políticas na transição para a democracia até o governo Collor.
Se a campanha Diretas Já é analisada por Vanderlei Neri sob a óptica contraditória de uma mobilização de massas com direção burguesa, é com uma perspectiva mais distanciada que o sociólogo Anderson Deo faz um balanço do processo de transição a longo prazo da ditadura militar até as últimas duas décadas, ou, em suas palavras, da "institucionalização à autocracia burguesa no Brasil". Toda essa complexa reflexão já parte das orelhas do livro, com o texto assinado por Marcelo Ridenti.
Sumário

Prefácio Marcos del Roio

Os comunistas e a ditadura burgo-militar: os impasses da transição
Milton Pinheiro

A natureza de classe do Estado brasileiro João Quartim de Moraes

As frações da classe dominante no capitalismo: uma reflexão teórica Décio Azevedo Marques de Saes

Luiz Carlos Prestes e a luta pela democratização da vida nacional após a anistia de 1979
Anita Leocádia Prestes

Intelectuais de Estado e a gestão da política econômica no regime ditatorial brasileiro Adriano Codato

Trabalhadores, sindicatos e regime militar no Brasil
Marco Aurélio Santana

Trabalhadores do campo, luta pela terra e o regime civil-militar Leonilde Servolo de Medeiros

A hegemonia tardia
Lincoln Secco

Diretas Já: mobilização de massas com direção burguesa
Vanderlei Elias Nery

A Aliança Democrática e a transição política no Brasil
David Maciel

Uma transição à long terme: a institucionalização da autocracia burguesa no Brasil
Anderson Deo

A economia da ditadura e da transição
Nilson Araújo de Souza


Sobre o organizador
Milton Pinheiro é sociólogo e cientista político, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Editor da revista Novos Temas e autor/organizador, entre outros, dos livros A reflexão marxista sobre os impasses do mundo atual (Outras Expressões, 2012) e Teoria e prática dos conselhos operários (Expressão Popular, 2013), em conjunto com Luciano Martorano. Integra o grupo de pesquisa Pensamento Político Brasileiro e Latino-Americano.


terça-feira, 25 de março de 2014

MP convida para visita guiada da exposição "mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura"

Na perspectiva de refletir acerca do 50 anos do golpe de 1964, o Museu Pedagógico convida a todos os interessados para uma visita guiada à exposição sobre os mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura, no dia 31 de março de 2014, às 14 horas, na Casa Padre Palmeira, situada à Praça Sá Barreto, S/N. Os visitantes serão assistidos pela equipe coordenada pelo prof. José Dias e pelo artista plástico Edmilson Santana.

Cordialmente,

Coordenação Geral do Museu Pedagógico

domingo, 23 de março de 2014

MARX EXPLICA O ORÇAMENTO BRASILEIRO DE 2014

"Como a dívida do Estado se respalda nas receitas do Estado, que precisam cobrir os juros e demais pagamentos anuais, o moderno sistema tributário tornou-se um complemento necessário do sistema de empréstimos nacionais. Os empréstimos capacitam o governo a enfrentar despesas extraordinárias, sem que o contribuinte o sinta imediatamente, mas exigem, ainda assim, como consequência, elevação de impostos. Por outro lado, o aumento de impostos causado pela acumulação de dívidas contraídas sucessivamente força o governo a tomar sempre novos empréstimos para fazer face a novos gastos extraordinários. O regime fiscal moderno, cujo eixo é constituído pelos impostos sobre os meios de subsistência mais necessários (portanto, encarecendo-os), traz em si mesmo o germe da progressão automática. A supertributação não é um incidente, porém muito mais um princípio. Na Holanda, onde esse sistema foi primeiramente inaugurado, o grande patriota de Witt o celebrou por isso em suas máximas, como o melhor sistema para manter o trabalhador assalariado submisso, frugal, diligente e (...) sobrecarregado de trabalho."

MARX. A assim chamada acumulação primitiva de capital. In: O Capital - Livro I vol. 2.

sábado, 22 de março de 2014

DESNUDANDO A IRA


Declamarei sempre

Versos à soleira

Quando eles marcharem

Pela minha porta


Fonte de inspiração macabra

Não necessita mais

Do balanço sedutor

Das meninas de frescor juvenil


Autoridade pisante

Pelas sandálias e chinelos

Sapatos finos de saltos

Com desenhos de coturnos


Fileiras de pés inchados

Com mãos calosas

Ainda se servem

Mesas postas por Mussolini


Quase um século

Embrutecido em dias

Não se abre mão

Por luvas brancas manchadas


Não importa, contudo

Que se levantem bandeiras

Coloridas em tons

Amarelos, verdes ou azuis


Porém, o naufragar

Do “barco democrático”

Não deixa de amargar

Quando as flâmulas são vermelhas


Derrubam-se estátuas

Sem pedir licença

Para escultores de arte

Que não combate ideias e equívocos


Ofuscam-se objetivos humanos

Com projetos da barbárie

Aliançados com santos e escribas

Na cadência de Estados de classe


Mas na frente de batalha

Há ainda quem chore

Pelo olho que perdeu

Com a cegueira doada


Dilacera membros inteiros

Espinha dorsal fraturada

Homens e mulheres aleijados

Cadeiras de rodas ao combate


Fuzis, pistolas e bombas

Massas que rolam padecem

Troco nem sempre certo

Mas alvo que se treina acerta


Morrem-se mais acidentados

Que em guerras de rapina

Morreram-se mais em guerra civil

Que nas insurreições acontecidas

Das penas que digitam

Aos que impunham coquetéis

Jovens que não se abatem

Jornadas de liberdade


São eles a esperança

Pelas ruas e praças

Para combater-se em continentes

Ações do capital


São assim, todavia sempre

Máscaras negras que caem

Nas trombadas dos gorilas

Do chão às copas altas


Mas aqui vamos nós

Nos debates e nas frequências

Dançando nas lutas

Com razão lógica e livre


Sentimentos sinceros

Proletários puros

Corações abertos e feridos

Sangrando emoções em luto

Amputando os sonhos

Mutilando a alma buliçosa

Soluçando borbulhantes pingos

Com lágrimas da história que passa


Odiando os de papéis pintados

Burgos gelatinosos cheios

Que nos mandam cassetetes e tonfas

No fogo das barricadas


Sensibilidade que se brota

Pelos poros, corações e mentes

De uma alma que não descola

Dos que tombam pelo amor à vida

CARLOS MAIA - 17.03.14

quinta-feira, 20 de março de 2014

Chamada de Trabalhos

Llamada de Trabajos                                                                                                   Call for Papers


II ENCONTRO INTERNACIONAL
TEORIA DO VALOR TRABALHO E CIÊNCIAS SOCIAIS

16 e 17 de outubro de 2014

Campus Darcy Ribeiro

Sessões de Comunicações
Serão selecionados 5 trabalhos por sessão de comunicação

Eixos Temáticos
São bem vindos trabalhos que tratem das seguintes temáticas:

Tema 1 - Teoria do Valor Trabalho e Crise;
Tema 2 – Desenvolvimento capitalista do Brasil e Teoria do Valor Trabalho;
Tema 3 – Financeirização, capital fictício e Teoria do Valor Trabalho;
Tema 4 – Questão Social e Teoria do Valor Trabalho;
Tema 5 – Trabalho material e imaterial
Tema 6 – Teoria do Valor, intensidade do trabalho e mais valia
Tema 7 – Teoria do Valor e Teoria da Dependência
Tema 8 – Teoria do Valor Trabalho e Ciências Sociais

Programação

Quinta-feira, 16 de Outubro
Sexta-feira, 17 de Outubro
Manhã: Abertura
Manhã: Comunicações
Tarde: Comunicações
Tarde: Encerramento

Cronograma
Submissão das propostas de comunicação de 01 de maio até 30 de junho de 2014.
Divulgação das propostas de comunicações aprovadas até 15 de julho de 2014.
Envio da versão final dos trabalhos aprovados até 15 de agosto de 2014

Orientações para as propostas de comunicação e de trabalhos
As propostas de comunicações deverão conter i) título da comunicação, ii) nome do(s) autor(es), iii) filiação institucional do(s) autor(es), iv) resumo com até 400 palavras; v) até três palavras-chave. As propostas de comunicações deverão ser enviadas unicamente em formato MS Word (doc ou docx) para o correio eletrônico unb.gept[arroba]gmail.com

A versão final dos trabalhos aprovados deverão ter a extensão de até 8 mil palavras, contendo i) título da comunicação, ii) nome do(s) autor(es), iii) filiação institucional do(s) autor(es), iv) resumo com até 150 palavras e v) até três palavras-chave. 

Valor das Inscrições
Com apresentação de comunicações: R$ 50,00


Organização
Grupo de Estudos e Pesquisa do Trabalho – GEPT/UnB

Maiores Informações em

Sinistra Lembrança, Ato Farsante.

1964 - Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em São Paulo
Ruy Medeiros

Leio que pretendem reeditar, 50 anos após, “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”.

Não repito a tão citada frase de Marx sobre fatos que só na aparência se repetem: tragédia e farsa.

No entanto não posso deixar de fazer algumas perguntas sobre o cortejo que se anuncia.

Com Deus? Que Deus? O Deus de uma sociedade autoritária, criado para introjetar medo nas consciências e justificar torturas, exclusão, banimento e morte? Percebeu-se (e muitos crentes depois sentiram-se ludibriados) que aquele deus da marcha programada por golpistas era exatamente o que determinava não conviver, pois queria a separação; não dialogar, pois desejava a imposição de voz única; não respeitar a integridade física ou moral, pois ansiava torturar. Mas milhares de imagens, manipuladas, em vários lugares falavam em deus, na salvação da cultura ocidental cristã e da família. Na Bahia, bem me lembro, o Padre Peyton e a primeira dama, com gente da TFP desfilando. Milhares de pessoas aos quais certa imprensa, IBAB, IPES, Cruzada Anticomunista, etc, exaustivamente buscavam condicionar o mais escondido escaninho da consciência, ali estavam crentes que preparavam o reino de Deus e a defesa da família: “a família que reza unida, permanece unida”, diziam. Unida, como, se a fome separava seus membros, cada um migrando, indo para longe à procura do pão?

Melhor seria dizer, com muitos, porém desarmados, que anunciavam: “a família que tem comida permanece unida”.

Mas que família? Aquela família que depois os golpistas dilaceraram? A família de tantos religiosos que foram torturados? Certamente não era a família dos pobres e miseráveis, nem a família daqueles que não compactuavam com o crime e por isso protestaram. Familiares de muitos que marcharam com o Padre Peyton, viram suas famílias separadas por grades, exílio, desaparecimentos (assassinatos, em verdade) e que, por isso, não poderiam, se assim o desejassem seus membros, rezar unidas. Nem comer. Nem falar. Nem viver. Nem representar. Nem recitar.

Que liberdade? A liberdade para facínoras torturarem? A liberdade para suprimir vozes e liberdade daqueles que pensavam de forma diferente dos sobas? A liberdade para agredir consciência, inclusive a consciência de religiosos, famílias, velhos, jovens e crianças?

O momento de preparação do golpe foi também sinistro. Não se estava a defender família, Deus, liberdade. Estava-se preparando cerminho, como os fascistas sempre fizeram, com todo o instrumental de convencimento disponível para o golpe. E o fizeram para desencanto de muitos que logo se sentiram traídos, irremediavelmente enganados.

Li, em Fernando Arrabal (Carta a Franco), que quando a falange organizou a grande procissão para comemorar a vitória dos fascistas contra a República Espanhola, as pessoas contritas e embasbacadas, seguiram dignatários religiosos e carros alegóricos. Pousados nesses e em carros de combate estavam milhares de pombas que, só por milagre e ordem divina, reverentemente não voavam. Depois, soube-se: O tendão das asas das aves foram cortados. Nada de milagre. Engodo.

Inquieta-me a sinistra lembrança da marcha que, em nossa história, tomou as tintas do sinistro e da farsa. A reedição talvez seja pior, pois implica em desrespeito às famílias que foram separadas pelas mortes sob tortura e outras mortes.

No entanto sei, muitos não tinham condições de julgar, depois perceberam. Hegel disse que a coruja de Minerva só alça o vôo ao entardecer. Mas, e aqueles que hoje podem julgar, por que marcharão? Farão por vontade de serem idiotas, ou porque têm vocação para a prepotência sobre si mesmo?

Fonte: Blog Ruy Medeiros